Devo alertar que o vídeo abaixo tem imagens que não são propriamente adequadas para ver em ambientes laborais e afins.
Sim, esta é uma música sobre sexo, puro e duro. Não há espaço para grandes subtilezas e duplos sentidos, para suposições e conjecturas. Onde é que isso tem sentido numa letra com versos como estes?
You let me desecrate you
You let me penetrate you
You let me complicate you
(...)
I wanna fuck you like an animal
I wanna feel you from the inside
I wanna fuck you like an animal
É uma música que deve ser entendida no contexto do álbum em que está inserida: "The Downward Spiral" dos Nine Inch Nails (que já referi aqui), álbum esse que gira à volta do conceito da espiral descendente de alguém até chegar a um ponto extremo. O próprio Trent Reznor teve vários problemas relacionados com drogas e álcool que incluíram uma overdose.
Há uma entrevista feita em 2005, quando o vocalista já estava sóbrio, que ajuda a perceber todo o estado de espírito dele e como isso se reflectiu no seu trabalho:
What was it like going into the studio sober?
TR: When I started "With Teeth", it was like, suddenly I could
think again. A lot of the fear I had went back to "The Fragile". I was on the
slippery slope of trying to stay sober, knowing I had a problem but not wanting
to accept it, being fucked up, lying to myself and others. Just caught in the fucking
downward spiral.
I can't
believe I just said that [laughs].
Anyway, at that point, I would try to write and it'd be a
blank notebook. And that's
a bad feeling. So when I cleaned up, I felt like I had superpowers.
What was the fear, exactly?
TR: Fear in my thinking that I'm not good enough. Of my not living up to my own
expectations because, believe me, they're much higher than those
of my fans.One would think that after selling a couple million copies of "Pretty Hate Machine" and "The Downward Spiral", you'd feel pretty good about yourself.
TR: When it's coming from outside like that, it doesn't sink
in. I've always been insecure. I always felt like an outsider and I wanted to
be acknowledged. I came from a little shit town that nobody ever got out of. I
wanted to say, "Fuck you. I can get out." I think back to my strategy
of life when I was 23 and I started Nine Inch Nails. It was: Get a record deal
and write good music, and everything will be okay.
Fine. I got a record deal, I think I wrote good music. And
then I got a lot of things I never thought I'd get: Success, money, critical
acclaim. I sold a lot of tickets to the shows, I earned multi-Platinum records
and Grammies and blah, blah, blah. But at the end of the day, that didn't really fix anything, and it
feels really shitty when you tell yourself that. What have I got to be upset
about? I've got
everything I've ever dreamed of, but I still feel shitty. So what now?
Is that where the addiction came in?
TR: I'm an addict and that would have come out no matter
what I was doing. But this lifestyle definitely accelerated it. Being thrust
into this role of being successful all my fears became amplified.
Este é um álbum que fala de (e transpira) angústia, sentimentos de inferioridade, infelicidade, vazio, medo, desespero... A "Closer" nunca poderia ser, somente, uma música sobre sexo sem mais. É algo que vai muito para além disso na minha opinião.
(Help me...)
I broke apart my insides
(Help me...)
I've got no soul to sell
(Help me...)
The only thing that works for me
Help me get away from myself
O que está na génese de certos vícios e compulsões? Álcool, droga, jogo, sexo, comida...? Julgo que seja a necessidade de evasão de si próprio. A procura de algo exterior que preencha um vazio de tal forma pronunciado que se torna impossível tolerar e aguentar. Mais que isso, está relacionado com a dimensão espiritual de cada um que não se confunde com religião pois esta é somente uma manifestação da espiritualidade, algo muito mais abrangente e que diz respeito a cada um e à forma como escolhe olhar para dentro, para quem é e o lugar que ocupa no esquema maior de todas as coisas. No fundo, qual o significado e sentido que escolhe dar à vida. Isso é algo absolutamente pessoal, onde não há lugar para dogmas e onde cada um terá a liberdade de encontrar "aquilo" que molda a vontade de estar vivo.
Então o que acontece quando há uma total ausência de ligação a algo tão intrinsecamente nosso? Quando se está de tal forma desconectado dessa dimensão interior e do mundo que nos rodeia? Quando há uma incapacidade de estar genuinamente vivo? Quando alguém procura fugir a todo o custo de si próprio? Quando o conceito de amor próprio está completamente ausente? Quando, como no caso do Trent Reznor, o dinheiro, a fama e o sucesso não são suficientes?
Percebo que seja aí que entram em cena os escapes: álcool, sexo, drogas etc.
My whole existence is flawed
You get me closer to god
You can have my isolation
You can have the hate that it brings
You can have my absence of faith
You can have my everything
A compulsão sexual será um pouco diferente do vício das drogas e do álcool (até porque os segundos são dependências químicas e que não são necessárias para se ter um estilo de vida saudável) mas os sentimentos que estão na origem destes comportamentos são iguais: uma auto-aversão gritante, o impulso de autodestruição, a vontade de se ser tudo menos a pessoa que se é. Tanto a droga, o álcool, como o sexo (enquanto comportamento obsessivo) cumprem sempre o que prometem: aquela sensação de satisfação e eliminação de toda a dor. Mas é sempre momentâneo, a raiz do problema continua lá. Daí a dificuldade em terminar esse ciclo vicioso.
You make me perfect
Help me become somebody else
Há um filme de 2011, "Shame", que consegue ilustrar bem o que será viver com uma compulsão destas. O Michael Fassbender veste a pele de um homem que não consegue ter uma relação funcional e saudável com outro ser humano, que desconhece por completo o conceito de intimidade e demonstra como o sexo é ao mesmo tempo a sua desgraça e salvação. Esta música de Nine Inch Nails casa na perfeição com essa personagem.
Grande post, Rita. Tens mesmo que escrever mais!
ResponderEliminarOra bem, os vícios. Honestamente, é um conceito que não entendo. Não entendo a sensação de "ter que".
O amigo com quem costumo fazer grandes viagens de carro, de quando a quando quer parar porque "tem que" fumar. Outros levantam-se de noite, porque "têm que" fumar. Outros são despedidos, porque "têm que" beber um coo de whisky de manhã. Outros ainda começam a roubar as próprias famílias, porque "têm que" comprar a dose de heroína para mandar para veia. Enfim, por aí fora.
Não compreendo nada disto.
Tirando a música, nada mais na vida me vicia ou viciou durante um período prolongado de tempo. Talvez isso seja uma força, talvez seja apenas sorte, não sei. Mas sei que estas perturbações de gente que é viciada "nisto e naquilo" são muito interessantes do ponto de vida psico e sociológico. Por exemplo, grande parte dos meus filmes preferidos retratam este tipo de patologias. Por isso mesmo, também gostei muito do "Shame".
No outro dia apanhei uma reportagem na sic notícias a propósito disto e é muito interessante (e com direito a um twist histórico). Vê que vale a pena:
Eliminarhttp://www.cbsnews.com/video/watch/?id=7406968n
Isto dos vícios envolve tanta coisa... ainda bem que não percebes, é bom sinal ;)
(e obrigada pelo elogio, como sempre :) )