sábado, 27 de outubro de 2012

Bon Iver

  

  A primeira vez que ouvi falar em Bon Iver foi em 2008. 


- Ouve esta música. Esse gajo fechou-se numa cabana no meio de nenhures durante 3 meses depois do fim de uma relação e fez este álbum. 


  A música era a "re: Stacks" do álbum "For Emma, Forever Ago".

  
  Vou ser honesta: mostrem-me uma pessoa que sabe o verdadeiro significado do que é sofrer, que tenha estado num buraco bem fundo e tenha usado isso para criar e eu vou sempre encontrar algo de poético nisso. 
Soa "sentimentalóide" mas é simplesmente humano. 
Uma pessoa que é testada pelas suas circunstâncias e tem de arranjar forma de sair daquele buraco. Pelo meio deixa que isso se transforme em algo concreto, palpável.
  O Justin Vernon o que decidiu foi passar para a música toda a dor e provação que aquele fim da relação tinha causado nele (e vim depois a perceber pelo que li numa reportagem que não era só isso: a banda em que estava na altura tinha acabado, também tinha estado doente com mononucleose, estava quase sem dinheiro e com alguns problemas de saúde relacionados com o álcool). Não havia grande luz no fim do túnel, posso imaginar. Como podia eu não me afeiçoar àquele álbum?... 

  Diz ele que a quietude era tanta naquela cabana, em pleno Inverno no Wisconsin, que começava a afectá-lo psicologicamente e de repente o que começou a sair foi música. O objectivo dele nem sequer era esse, não era criar algo. Queria apenas afastar-se do mundo. 
  O álbum acabou por ser gravado ali mesmo e claro que não tem a qualidade que teria se fosse feito com os meios de um estúdio de gravação mas também não teria aqueles pequenos ruídos que se vão ouvindo aqui e ali e lhe dão uma magia especial, inserem-se no espaço físico e mental em que ele estava.
  
  Acho que a "re: Stacks" se compreende melhor depois de devidamente contextualizada. É a última música do álbum propositadamente. Aquele momento em que se fecha um ciclo depois de se exorcizarem os demónios, quando o peso de certas vivências que carregamos é-nos tirado de cima, quando percebemos finalmente que é algo que vai estar connosco pelo resto da vida mas já conseguimos viver conscientes disso e deixa de ser uma âncora. Não é propriamente um começar de novo, uma reinvenção mas sim o simples aprender a viver com o passado sem que este nos prenda.
Nunca fico indiferente quando ouço a música, quando o Justin Vernon me diz: 


This is not the sound of a new man or crispy realization
It's the sound of the unlocking and the lift away
Your love will be
Safe with me

  Ele refere que muitas vezes fica sem saber o que responder quando as pessoas o abordam para dizerem que o álbum as curou. "Porque fez o mesmo por mim..." diz ele.



  A 24 de Julho deste ano tive finalmente a oportunidade de ver Bon Iver ao vivo no Coliseu de Lisboa. Um projecto que inicialmente era somente o Justin Vernon mas no segundo álbum evoluiu de forma a incluir mais músicos.  Também gosto muito do segundo álbum ("Bon Iver, Bon Iver") mas demorou mais a entrar e já não traz com ele a mística que me fez apaixonar pelo primeiro. 

  
  É difícil descrever aquele que foi o segundo melhor concerto que vi este ano e um dos concertos que vou levar comigo pelo resto da minha vida. 
  Ao vivo são uma experiência diferente daquela que se tem quando se ouvem os álbuns. Dão outra dimensão e amplitude às músicas, reinventam-nas e estas tornam-se épicas. A "Creature Fear" e a "The Wolves (Act I and II)" são exemplos perfeitos disso. Esta última remete-me sempre para a imagem mental dele, naquela cabana, completamente amargurado. A forma como ele vocaliza aquela dor, não pode passar indiferente a ninguém.  

Someday my pain
Someday my pain will mark you
Harness your blame
Harness your blame and walk through...

Aqueles momentos em que o Coliseu inteiro grita em plenos pulmões: What might have been lost...   

(na realidade o que pode ter sido perdido é encontrado, sempre que alguém se deixa tocar pelo resultado daquela dor: esta música...).





  

  
  Ontem voltei a encontrá-los três meses depois, desta vez no Campo Pequeno. Agora sem o efeito surpresa que aquela primeira noite teve (e a profundidade com que me marcou) mas voltaram a acertar-me em cheio. Há algo de verdadeiramente único e arrebatador na música deles. 
  O que me dá pena e causa frustração é haver pessoas que não compreendem que há coisas que têm de ser apreciadas em silêncio, momentos na vida demasiado preciosos para serem estragados com os gritos histéricos ou com conversas, completamente dispensáveis.  
  
  O Justin Vernon aqui há umas semanas disse que provavelmente o projecto não irá avançar muito mais, que sente que entretanto se esgotou. Compreendo a posição dele e se assim for, fico com a memória destas duas noites. Para sempre.

  








6 comentários:

  1. Não conheço nada de Bon Iver, mas depois deste post vou checkar!

    Com este parágrafo, vendeste-me o álbum:

    Vou ser honesta: mostrem-me uma pessoa que sabe o verdadeiro significado do que é sofrer, que tenha estado num buraco bem fundo e tenha usado isso para criar e eu vou sempre encontrar algo de poético nisso.
    Soa "sentimentalóide" mas é simplesmente humano.
    Uma pessoa que é testada pelas suas circunstâncias e tem de arranjar forma de sair daquele buraco. Pelo meio deixa que isso se transforme em algo concreto, palpável.


    Isto soa-me a um misto de "Nebraska" (álbum gravado por Bruce, sozinho, enquanto lutava contra uma depressão) e "Love Is Blindness", um dos meus temas preferidos dos U2, que relata a experiência do "fundo do poço" vivida pelo The Edge, mas sobre o qual nunca consegui escrever, devido à proximidade que isso teve com uma fase que eu próprio passei. Mas tu descreveste isso na perfeição nesse parágrafo, fabuloso!

    Keep the posts coming! :)

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    1. Obrigada! :) Já andava com grande parte disto na cabeça há uns meses mas acabava por nunca escrever nada...

      Não conhecia essa música dos U2 mas já fui ouvir. Realmente nota-se bem que está carregada... E também me lembrei do "Nebraska" quando estava a escrever o post, li sobre a história do álbum há uns tempos.

      Isso tudo também me fez lembrar algo que li e me pôs a pensar:
      In a 1992 interview with WUNAW-FM, the DJ asks Springsteen if he was "ever worried that it could have the opposite effect, that artists sometimes when they are happy aren't as productive artistically". Springsteen answers that he doesn't "buy the whole suffering artist. [...] Everybody suffered plenty, it never goes away. But I found a lot of inspiration in... be happy is too one dimensional, but in trying to fill out my life it sort of felt like I was really here." He told Rolling Stone in 1992: "I've struggled with a lot of things over the past two, three years, and it's been real rewarding. I've been very, very happy, truly the happiest I've ever been in my whole life." A considerable portion of the Lucky Town album concentrates on one subject, which is the rewards of a hard-won happy family life. It is very possible that Springsteen wrote HAPPY following the 30 Dec 1991 birth of his daughter in Los Angeles.

      Há artistas em que se nota perfeitamente a diferença na qualidade do trabalho tendo em conta o que estão a viver...




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    2. Pois nota, sem dúvida! Por isso é que o "Lucky Town" e o "Human Touch" (lançados no mesmo dia com a "Other Band") são uma valente mer... vá, são os piores álbuns do Bruce!
      Só quando ele voltou a sofrer (ou a ver grande sofrimento) é que voltou aos grandes álbuns, mais precisamente no "The Rising". :)

      Mas gostei muito de ler essa citação do Bruce, ele tem sempre algo de interessante para dizer, nem que seja para refutar a génese do seu próprio trabalho! lol
      (note-se que ele estava a tentar promover o "Lucky Town" e o "Human Touch" nessa altura, portanto tinha que fazer esse tipo de discurso)

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    3. Lol! Por acaso ainda não ouvi esses álbuns com muita atenção...
      Eu sei que parece mal, faz-me parecer sádica e sanguessuga das dores do outros mas que fazer? habitualmente toca-me muito mais as dores de um artista que as alegrias... (Isto dito assim pareço uma pessoa depressiva que só ouve é música de cortar os pulsos, o que nem é verdade lol).
      Não os quero mal mas já que estão assim, toca a criar :P Já os Pearl Jam são a mesma coisa. Têm músicas TÃO boas da altura em que a alma deles estava mais torturada e agora que estão bem, são pais de família e tal, só fazem musiquinha da treta :( fico contente por eles mas pronto...

      Lol, sim! parece discurso de político ou advogado :P também tinha de vender...

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  2. Uma grande tristeza origina quase arte fantástica, o que acaba por ter um sabor agridoce. Primeiro porque, caramba, não desejo sofrimento a um artista para que ele continue a produzir música que me chegue alma; segundo porque... Bom, a tristeza acaba por passar, e fica aquela sensação de que nunca se chegará a um "For Emma..." nunca mais na vida.

    Embora o segundo álbum seja bom, não é a obra prima que para mim é o primeiro. Muitas noites fiquei eu a deprimir com a Stacks e com a Skinny Love (ouvir as duas seguidas no concerto ficar-me-á sempre na memória).

    Espero que o projecto termine e que ele avance numa boa direcção :)

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    1. Sim, claro. Ninguém quer "alimentar-se" da dor dos outros. Acho que o que acontece é que nessas músicas, álbuns, livros, filmes sentimos algo que vem de um lugar honesto e identificamo-nos com isso.

      Até percebo porque ele está a pensar terminá-lo. Acho que atingiu proporções que ele não estava à espera e até histeria absurda (como se viu lá no concerto...). Mas de certeza que se acabar este, ele há-de voltar com outro igualmente bom ou até melhor ;)

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