Boris Yellnikoff: I happen to hate New Year's celebrations. Everybody desperate to have fun. Trying to celebrate in some pathetic little way. Celebrate what? A step closer to the grave?That's why I can't say enough times, whatever love you can get and give, whatever happiness you can filch or provide, every temporary measure of grace, whatever works. And don't kid yourself. Because its by no means up to your own human ingenuity. A bigger part of your existence is luck, than you'd like to admit. Christ, you know the odds of your fathers one sperm from the billions, finding the single egg that made you? Don't think about it, you'll have a panic attack.
The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do ou como um álbum feito de imperfeições humanas pode ser perfeito. Sem artifícios, sem distracções, sem atalhos. Está despido e repleto de verdade, de vulnerabilidade. Há alturas em que me sinto desconfortável por estar a ouvir algo tão honesto e tão pessoal. E aquela voz que canta de dentro, que corta, que sussurra, que geme, que berra. Que sente.
... I just wanna feel everything...
E eu nem sequer gostava particularmente da Fiona Apple... Há amores assim.
Once you began admitting explanations in terms of purpose - well, you didn't know what the result might be. In was the sort of ideia that might easily recondition the more unsettled minds among the higher castes - make them lose their faith in happiness as the Sovereign Good and take to believing, instead, that the goal was somewhat beyond, somewhere outside the present human sphere; that the purpose of life was not the maintenance of well-being, but some intensification and refining of consciousness, some enlargement of knowledge. Aldous Huxley, Brave New World Acabei de ler este livro esta semana e esse excerto é das minhas partes preferidas. Para quem não conhece, foi escrito em 1931 e publicado em 1932 e passa-se em Inglaterra num futuro em que as pessoas já não se reproduzem, são fabricadas em laboratório. A fertilização é feita de forma artificial e o período de gestação é passado em garrafas de "decantação". Há uma divisão da sociedade em castas e as mais altas desenvolvem-se normalmente durante esse processo (sem interferências) enquanto que nas castas mais baixas há uma manipulação de forma a interromper o desenvolvimento precisamente para que, física e intelectualmente, estejam num nível inferior. Cada pessoa, dentro da sua casta, tem uma função económica e social predeterminada. Isso permite que deixe de existir a noção de competição. Na infância é-se educado durante o sono recebendo mensagens de forma subconsciente que moldam a maneira de ser e de pensar. É-se condicionado de tal forma que todos fazem o que é suposto fazerem, todos cumprem na sociedade o papel que lhes é destinado. Não há guerra, há abundância e harmonia. Existe uma droga chamada soma que permite eliminar qualquer sentimento desagradável, difícil de lidar. Elimina o sentimento de raiva, faz as pessoas tornarem-se mais pacientes. Há uma passagem do livro que resume bem esta droga: You can carry at least half your morality about in a bottle. Christianity without tears - that's what soma is. O sexo, que nesta sociedade perdeu a função reprodutiva, passou a ser uma actividade social, algo que é incentivado desde tenra idade e que não carrega qualquer tipo de tabu. Ao longo do livro é repetida muitas vezes a expressão everyone belongs to everyone else. Deixou de existir a visão romântica do amor ou de família que são, aliás, estes sim assuntos delicados de abordar e evitados (muito interessante a forma como o livro trata este assunto). Neste futuro não existe infelicidade, todos são felizes.
Quis ler este livro precisamente por ter gostado tanto do "1984" de George Orwell e pelo paralelismo que existe entre os dois. Nas palavras do livro "Amusing Ourselves to Death" de Neil Postman (que descobri ao escrever este post e agora fiquei com vontade de ler):
Alongside
Orwell's dark vision, there was another - slightly older, slightly less well
known, equally chilling: Aldous Huxley's Brave New World. Contrary to common
belief even among the educated, Huxley and Orwell did not prophesy the same
thing. Orwell warns that we will be overcome by an externally imposed
oppression. But in Huxley's vision, no Big Brother is required to deprive
people of their autonomy, maturity and history. As he saw it, people will come
to love their oppression, to adore the technologies that undo their capacities
to think.
What Orwell feared were those who would ban books. What Huxley feared was that
there would be no reason to ban a book, for there would be no one who wanted to
read one. Orwell feared those who would deprive us of information. Huxley
feared those who would give us so much that we would be reduced to passivity
and egoism. Orwell feared that the truth would be concealed from us. Huxley
feared the truth would be drowned in a sea of irrelevance. Orwell feared we
would become a captive culture. Huxley feared we would become a trivial
culture, preoccupied with some equivalent of the feelies, the orgy porgy, and
the centrifugal bumblepuppy. As Huxley remarked in Brave New World Revisited,
the civil libertarians and rationalists who are ever on the alert to oppose
tyranny "failed to take into account man's almost infinite appetite for
distractions". In 1984, Orwell added, people are controlled by inflicting
pain. In Brave New World, they are controlled by inflicting pleasure. In short,
Orwell feared that what we hate will ruin us. Huxley feared that what we love
will ruin us.
This book is about the possibility that Huxley, not Orwell, was right.
A passividade consegue ser tão ou mais assustadora que a violência ou a simples ameaça de violência. Acho que dá para perceber melhor agora aquele excerto no início do post e a sua pertinência. Contextualizando, trata-se do pensamento de uma personagem que se sente deslocada naquela sociedade mas não sabe exactamente porquê e como contornar esse sentimento.
Pode parecer estranho mas o direito à infelicidade (não, não me enganei) é algo que tem de fazer parte da vida. A verdade está para além da felicidade, requer sofrimento, requer esforço, requer lágrimas, requer ser-se humano portanto. Requer uma exigência de consciência. E por fim, requer aceitar-se que essa consciência muitas vezes não é compatível com a felicidade quando esta é cega. Ignorance is bliss, pois é.... Mas é algo que se paga bem caro. "Getting rid of everything unpleasant instead of learning to put up with it. Whether 'tis nobler in the mind to suffer the slings and arrows of outrageous fortune, or to take arms against a sea of troubles and by opposing end them... But you don't do either. Neither suffer nor oppose. You just abolish the slings and arrows. It's too easy."
Lembro-me perfeitamente que chovia torrencialmente na noite anterior. Das maiores chuvadas que tenho memória. Chovia e trovejava mesmo muito. De si, já era uma noite agitada o suficiente, todo o turbilhão de sentimentos não me deixava dormir. Aquele dilúvio não facilitava nada. Sei que acordei algumas vezes durante a noite com o barulho dos trovões.
O último ano e meio da minha vida anterior àquela noite foi dedicado ao que estava prestes a acontecer. Esse ano e meio era a expressão de anos e anos a sonhar com uma coisa que sabia que mais tarde ou mais cedo iria acontecer, só não sabia quando.
Não sei exactamente quando surgiu este sonho, só me lembro que já vinha desde miuda. Sei que sempre que me perguntavam qual o sítio que mais queria conhecer, a resposta era sempre a mesma: Nova Iorque.
Eu estava, sempre estive, perdida e irremediavelmente apaixonada por um sítio que só conhecia dos filmes, das revistas, dos jornais. Era mais que um lugar físico, muito mais e não é possível explicar em palavras a dimensão que tinha e tem para mim.
O sonho de algumas pessoas é casar, o de outras ter filhos, para algumas tem a ver com determinada carreira... O meu sonho mais antigo e mais concreto era ir a Nova Iorque. É tão simples quanto isso.
Chovia mesmo, mesmo muito e eu estava na minha cama a obrigar-me a dormir enquanto aqui dentro todos os sentimentos e mais alguns se confundiam com a intensidade do que se estava a passar lá fora. Chovia sem parar.
A primeira fotografia que tirei foi da janela da casa de banho do Hotel, via-se a Estátua da Liberdade. O Hotel é mesmo junto ao rio Hudson e todos os dias, durante duas semanas, esta era a minha vista. Uma pessoa que cresceu a fantasiar com esta cidade, todos os dias podia olhar pela janela e ver lá ao fundo a silhueta desta Estátua...
É estranho estar noutra parte do mundo, numa cultura completamente diferente, num sítio que não se conhece mas que é tão familiar. Acho que é um sentimento comum a quem já lá esteve. Uma pessoa conhece as ruas, as vistas, os lugares, já os viu vezes sem conta.
Conseguia-se ver o Empire State Building perto da estação de metro mais próxima do Hotel e a primeira vez que o vi pensei que estava enganada, que seria outro edifício parecido (só se via o topo). As coisas são assim em Manhattan: surgem-nos como se nada fosse. Da janela vê-se a Estátua da Liberdade e na rua ao virar da esquina enquanto se está entretido na conversa, vê-se o Empire State Building.
Ainda hoje, ano e meio depois de ter voltado, tenho dificuldade em acreditar que estive realmente lá e que entretanto já voltei e já passou este tempo todo... Sei perfeitamente o cheiro daquela cidade, sei a cor, sei as ruas, sei as pessoas mas foi uma experiência tão arrebatadora em todos os sentidos, que ainda a ando a digerir. Faço-o todos os dias quando ligo o telemóvel e a imagem é da vista do 30 Rock, quando ligo o portátil e a vista é no Roof Garden do Metropolitan Museum, quando ligo o computador do trabalho e a imagem é do Central Park...
Lembro-me tão bem do chinês que trabalhava na lavandaria perto do Hotel e do seu riso tão característico, o funcionário do Hotel que sabia falar um pouco de português e nos cumprimentava às vezes com bom dia ou boa noite, um senhor no metro que meteu conversa connosco porque pensava que estávamos perdidas e contou que tinha estado em Portugal (o ar dele a comentar connosco que achava curioso que os táxis cá são Mercedes...), uma senhora que nos ouviu falar e abordou-nos porque também é portuguesa mas vive lá desde 1983, um senhor de New Jersey com quem falei no Lincoln Center que também já veio a Portugal (esteve em Cascais) e adorava ouvir fado, o Darryl, o Derrick, o Jared, a Nancy, o comandante do cruzeiro, os funcionários das lojas (principalmente em Times Square) sempre animados a cantar, o senhor que ganhou a alcunha de "Hoboken" nos estúdios da NBC... Pergunto-me às vezes o que será feito deles.
Cada pessoa nesta cidade é tão diferente e única.
As conversas dramáticas dos americanos com um copo de Starbucks na mão e o jornal na outra (coreografado para um qualquer filme mas era mesmo real e recorrente), whole wheat bagels, multi grain bagels, cinnamon raisin bagels (os meus preferidos), bancas de fruta e de batidos em todo o lado, delis em cada esquina, a quantidade e variedade de doces, bebidas, comidas... Pessoas a fazer jogging em toda a parte, a passearem os cães, a andarem de bicicleta.
O ritmo daquela cidade, as cores, as luzes, absolutamente tudo.
Times Square, Battery Park, Grand Central Terminal, Brooklyn, o American Indian Museum, Bryant Park, o Museum of Modern Art, o Madame Tussauds, o cruzeiro Circle Line, o Intrepid Museum, Ellis Island Museum, o Radio City Music Hall, o 30 Rock à tarde, o Empire State Building à noite, os estúdios da NBC, o Lincoln Center, o Museum of the City of New York, o American Museum of Natural History, Coney Island, o Metropolitan Museum, Harlem, atravessar a ponte de Brooklyn a pé, passear no High Line, no Soho, em Greenwich Village, em Little Italy, no Central Park, viver no Meatpacking District naqueles quinze dias...
Naquele último dia, enquanto estava sentada no banco de jardim com vista para New Jersey comecei a aperceber-se que involuntariamente ia deixar lá uma parte de mim. Que foi daquelas experiências tão transformadoras, tão intensas, tão inesquecíveis, tão únicas, tão esmagadoras, tão significativas que nunca poderia voltar a ser mesma pessoa.
Foi um sonho realizado mas que me deixou com vontade de mais.
Se antes dizia que não podia morrer sem lá ir, hoje digo que tenho de voltar. Em algum ponto da minha vida, tenho de lá voltar.
Existe um ditado em Direito Penal que diz algo como: "mais vale um criminoso em liberdade que um inocente preso". A ideia de impunidade é difícil de conceber, deixar escapar alguém que comete um crime, deixá-lo viver em liberdade... Mas a ideia de uma pessoa inocente ser julgada e condenada por um crime que nunca cometeu é absolutamente abominável. É a perversão de todo o sistema penal e processual penal, é a injustiça mais absoluta que pode acontecer. Acabei de ler há uns dias um livro que facilmente se tornou um dos meus preferidos de sempre. Mas antes de falar sobre ele, há que o contextualizar. Em 1994, três jovens americanos de 16, 17 e 18 anos foram julgados pela morte de três crianças no Estado do Arkansas. Dois desses jovens foram condenados a prisão perpétua e um deles à pena de morte. Ficaram conhecidos como os West Memphis Three. Supostamente os crimes teriam sido cometidos como parte de um ritual satânico. Durante os julgamentos (houve dois pois um dos arguidos foi julgado em separado), foi permitido o registo dos mesmos em forma de documentário que viria a chamar-se Paradise
Lost: The Child Murders at Robin Hood Hills (http://www.imdb.com/title/tt0117293).
Ao longo do documentário, uma pessoa vai-se apercebendo que há várias coisas que não batem certo: não há provas físicas concretas do envolvimento dos três rapazes (Damien Echols, Jason Baldwin e Jessie Misskelley), há uma confissão pouco coerente por parte de um deles (Jessie Misskelley) obtida de forma duvidosa pela Polícia com a agravante dele ter um ligeiro atraso mental, as razões para terem chegado à qualidade de suspeitos parecem prender-se fundamentalmente com o facto de não se encaixarem no meio conservador e religioso em que estavam inseridos (o tipo de música que ouviam, a forma como se vestiam, o não conformismo à mentalidade daquela comunidade...). A percepção que se tem é que algo de muito errado aconteceu naqueles julgamentos e é impossível ficar-se indiferente. Claramente desde o início presumiu-se que eram culpados.
Este documentário tornou o caso muito conhecido e fez com que muitas pessoas questionassem as condenações. Várias personalidades mediáticas mostraram interesse em saber mais e começaram a apoiar a causa dos três tendo feito muito por eles durante todos estes anos. Foi criado também um grupo de apoio por parte de anónimos e um fundo para ajudá-los a obterem meios para provar a inocência. Foram feitos mais dois documentários: Paradise Lost 2: Revelations (http://www.imdb.com/title/tt0239894) e Paradise Lost 3: Purgatory (http://www.imdb.com/title/tt2028530). O segundo faz o ponto de situação e o que se passou nos anos que o separam do primeiro documentário e os desenvolvimentos em termos de recursos. O terceiro documenta uma fase em que vários especialistas forenses decidiram dedicar-se ao caso e reforçar a inocência dos três homens. Este último documentário (que esteve nomeado para um Oscar este ano) consegue englobar e resumir o que já ficou assente nos dois anteriores e termina com a libertação dos três homens no Verão de 2011, de forma inesperada, depois de 18 anos encarcerados. Se se interessarem por saber mais sobre este caso mas não quiserem ver os três, bastará verem este último.
Vai sair um novo documentário (não relacionado com a trilogia Paradise Lost) ainda este ano, produzido pelo casal Peter Jackson e Fran Walsh (http://www.imdb.com/title/tt2130321).
O livro de que falava no início do post é a autobiografia do Damien Echols (que tinha sido condenado à pena de morte), "Life After Death". Foca-se especialmente na infância e adolescência e depois nos anos que passou no "Corredor da Morte" (como o julgamento está mais que documentado, preferiu não escrever muito sobre essa fase da vida dele). Eu já tinha visto os três documentários e fiquei curiosa quanto ao livro depois de ler os dois ou três primeiros capítulos (que é possível ler aqui: http://www.amazon.com/dp/0399160205). Não foi sequer a curiosidade sobre o caso relatado na primeira pessoa que me deu vontade de comprar o livro, foi mesmo o facto de me ter prendido imediatamente pela forma como está escrito. É daqueles livros para ler horas a fio sem dar conta, que se torna difícil largar para ir fazer outras coisas, que não se quer que chegue ao fim. As histórias da infância e adolescência retratam uma vida muito dura, de pobreza e de relações familiares difíceis. Mas ao mesmo tempo são histórias em que se sente toda a nostalgia e toda a magia vista pelos olhos de uma criança. Algumas são cómicas, outras são comoventes e ele consegue criar todo um ambiente à volta delas em que é impossível uma pessoa não se sentir envolvida. Trata-se de uma pessoa que não se identificava com o meio em que vivia, que tinha uma forma de ser e de agir que não passava despercebida num meio pequeno e tão religioso. Um meio cheio de preconceitos em que vestir-se todo de preto e ouvir Metallica ou Guns N' Roses (duas das bandas preferidas dele) o qualificavam como satânico... Ele próprio admite que tinha a mania e era um smart ass na altura, que tinha atitudes típicas de adolescente rebelde e que havia um certo prazer em chocar. Foi um alvo muito fácil da Polícia e da acusação que precisavam urgentemente de encontrar um culpado ou vários para acalmar toda a histeria que aquelas mortes causaram. A ignorância é uma coisa muito corrosiva. Não prejudica somente quem é ignorante. Pode ter consequências muito graves, pode chegar a significar a liberdade ou a vida de alguém. Há razões para existirem tantas garantias jurídicas do arguido. É precisamente para evitar que situações destas aconteçam. Qualquer pessoa suspeita de um crime é inocente até prova em contrário. Sempre que alguém é julgado em praça pública antes de ser efectivamente julgado num tribunal, isso demonstra quão subvertido está esse princípio. É impossível imaginar tudo o que ele passou. Acusado de crimes que não cometeu, preso aos 18 anos, condenado à pena de morte, visto como um monstro que teria sido o cérebro destes crimes... Há partes no livro em que são contados vários episódios que ele presenciou na prisão e experiências que teve de passar e várias vezes tive de pousar o livro alguns segundos simplesmente para respirar fundo. É demasiado para uma pessoa conseguir digerir. Coisas inconcebíveis no "mundo" em que vivemos mas que num meio prisional são a rotina. Experiências que quebram o espírito de uma pessoa, que a matam lentamente de maneiras terrivelmente cruéis. Mas ele encontrou formas para tentar contornar todo o ambiente que o rodeava, decidiu que já que não poderia mudar as circunstâncias à sua volta, poderia tentar dedicar-se a coisas que o mantivessem verdadeiramente vivo, que lhe alimentassem o espírito e dessem força para continuar a lutar para provar a inocência. Leu dezenas e dezenas de livros, dedicou-se ao estudo de várias matérias, descobriu uma espiritualidade nele que lhe aliviava toda a dor e revolta. Optou por não deixar que o fossem matando aos poucos. Pequenas coisas do dia a dia, que tomamos como garantidas, eram coisas que ele desejava e ansiava mais que tudo na vida. Poder ver a luz do dia, poder sentir o Sol, poder pisar a relva, poder sentir a neve, o simples comer fruta, comer uma refeição decente... Coisas de que foi privado, essas e tantas outras, durante quase duas décadas. Não existiu justiça para ninguém nesta história. Não existiu para as três crianças que morreram e não existiu para estes três homens que estiveram presos durante 18 anos. Com a agravante de que quando foram libertados nem sequer foram exonerados. Tiveram de entrar cada um com um Alford Plea, um mecanismo no sistema jurídico americano em que a pessoa reafirma a sua inocência mas declara-se culpada ("I'm
guilty but I didn't do it" plea).Algo completamente absurdo, na
minha opinião. É o mesmo que dizer "sou do Sporting mas sou do Benfica" ou
"sou alta mas sou baixa"... É como disse o Jason Baldwin no
terceiro documentário: "Quando disse que estava inocente no julgamento,
condenaram-me à pena de prisão. Agora que sou obrigado a
declarar-me como culpado, libertam-me. Isto não é justiça." É fácil perceber porque o Estado do Arkansas os libertou desta forma: meses antes, num recurso, tinham sido admitidas novas provas e um novo julgamento com novo juíz. Possivelmente seria provada a inocência dos três, ao fim de tanto tempo. Com o Alford Plea poupa-se a vergonha da opinião pública perceber o erro crasso dos primeiros julgamentos e também estão impedidos de, no futuro, virem a processar o Estado. Também é simples perceber porque os três aceitaram este presente envenenado: teriam de esperar mais alguns anos na prisão até novo julgamento e também havia a execução do Damien Echols pendente. O que vão tentar é continuar a recolher provas para no futuro conseguirem eventualmente limpar os nomes deles. A ironia enorme que é o Estado não abrir mão de os considerar culpados mas libertá-los na mesma... Isto diz tudo. Não existiu justiça para ninguém nesta história, tenho de o dizer novamente. Há outra coisa que o Jason Baldwin diz no final do documentário que ficou comigo: People have prejudices, people have fears, people have hates. This things cloud our ability to reason. We also have compassion, love, mercy. What makes it so difficult in the judicial system is that the people who are there to protect and serve, they get so desensitized and they lose the ability to reason. There's got to be a way to reawaken the compassion and the people who run our justice system. We've got to make the decision to take each person on their merit.
O que faltou neste caso para ter sido feita Justiça, foi a própria essência da Justiça: os olhos vendados.
Os Tool não são uma banda fácil de compreender quando se ouve pela primeira vez. O som é complexo, denso e intrincado. A maioria das letras são crípticas, enigmáticas, dúbias. Vão buscar inspiração à filosofia, à matemática, à psicologia, à espiritualidade.... Os próprios vídeos são muito abstractos e partem da visão artística do Adam Jones (guitarrista). Uma pessoa para os compreender tem de ter uma mente aberta, tem de ser capaz de ter a percepção que há todo um significado por trás da maioria das músicas. Que há sempre uma intenção e nada é deixado ao acaso. Mas também são uma banda que não se leva demasiado a sério, que não se perde no culto por vezes fanático de muitos fãs que os veneram de forma excessiva. Fãs esses que se for preciso, encontram uma ligação qualquer entre os Tool e as origens do Universo ou o fim do mundo...
A "Stinkfist" é uma das minhas músicas preferidas. Não só dos Tool mas em geral. Acho-a absolutamente brilhante. Quando foi lançada como single, o nome e certas partes da própria música foram censurados na TV e na rádio. É o que dá aceitar-se as coisas como nos são dadas sem formar um juízo crítico e verdadeiramente reflectido sobre as mesmas. A ideia que era uma música obscena sobre fist-fucking só revela a forma como algumas pessoas se perdem em pormenores, como não estão dispostas a pensar mais a fundo sobre as coisas e a tentar entendê-las. É como diz o Timothy Leary antes do início da "Third Eye" (na versão do "Salival"): (...) To think for yourself you must question authority and learn how to put yourself in a state of vulnerable open-mindedness, chaotic, confused vulnerability to inform yourself. Think for yourself. (...) Já li algures numa entrevista ao Maynard J. Keenan (vocalista) que o título da música em si terá sido inspirado num amigo do Danny Carey (baterista) que tinha essa alcunha porque era alguém sem medo de "sujar as mãos", que agarrava todas as oportunidades na vida sem receios e ia atrás do que queria. O álbum em que está inserida, "Ænima", não é um álbum conceptual mas há uma
temática de fundo: evolução e mudança. A evolução da humanidade em direcção a uma
consciência superior. Pega em teorias de psicologia de Carl Jung (que eu não
conheço a fundo, só o que fui aprendendo precisamente porque queria saber mais
sobre o álbum) como o inconsciente colectivo (collective unconscious),
arquétipos como Anima/Animus ou a Sombra (the Shadow, queserve de base para outra grande música, a "Forty Six & 2"). O álbum é dedicado ao Bill Hicks, um comediante amigo deles que morreu sensivelmente dois anos antes do lançamento deste álbum. Disse o Maynard numa entrevista:
"His ideas were
what really resonated with us. I think
that's what he really liked about us as well - that we were resonating
similar concepts. Unity is the philosophical center. Evolution. Change.
Internally and externally. Individually and globally.That's pretty much
the gist of his comedy no matter what he was talking about - music,
porno, smoking. Whatever it was, it came back to the idea of unity and
evolution. Evolving ideas."
É todo um processo díficil, doloroso e moroso evoluir... E pensando novamente no título da música e em toda a polémica que gerou: quando se lê a letra com atenção, há efectivamente uma metáfora relacionada com penetração, com a ideia de entrar num outro nível, de romper com uma situação de forma a chegar a outro lugar. E isto de forma progressiva:
Finger
deep within the borderline (...) Knuckle
deep inside the borderline (...) Elbow
deep inside the borderline (...) Shoulder
deep within the borderline.
Sim, é um bocado perturbante mas é mesmo essa a ideia. Existem várias interpretações para esta música como um todo e são bastante interessantes. Há duas que para mim fazem mais sentido. A primeira encara-a como um diálogo entre a Droga e um viciado. O desespero de procurar algum tipo de escape, o peso enorme de encarar a vida sóbrio, a necessidade de se evadir para conseguir sentir alguma coisa. E depois a sedução da Droga que promete eliminar a raíz de todos os problemas e angústias. Consigo ver perfeitamente de onde vem esta interpretação e como se encaixa bem na música, só não me identifico com ela porque nunca passei pelo mesmo. A interpretação com a qual me identifico inteiramente tem a ver com a sociedade em que vivemos hoje em dia (a música é de 1996 e parece cada vez mais actual...). Um mundo em que estamos ligados mais que nunca uns aos outros, temos todos os meios para isso e no entanto nunca estivémos tão alienados. Alienados uns dos outros, alienados de nós próprios. O ruído é tanto à nossa volta, somos bombardeados com tanta informação e contra-informação que se torna quase impossível sentir alguma coisa. Muitas vezes estamos em piloto automático, completamente anestesiados, adormecidos, desconectados de tudo e de todos, aborrecidos e apáticos. Um sentimento permanente de insatisfação, de deambulação. Estaremos realmente vivos? E quando digo vivos é conscientes do que andamos aqui a fazer, conscientes da nossa condição enquanto seres humanos e qual o nosso propósito afinal. Chegou-se a um ponto em que só sentindo algo, de forma contundente é que nos vamos dar conta do que andamos aqui a fazer. E então lá vem a imagem mental de novo: finger deep within (e a pessoa continua anestesiada), knuckle deep inside (ainda nada), elbow (idem), shoulder deep within the borderline... Será necessário chegar-se tão fundo para uma pessoa acordar?...
Something
kinda sad about
the way that things have come to be.
Desensitized to everything.
What became of subtlety?
How can this mean anything to me
If I really don't feel a thing at all?
I’ll keep digging ‘till
I feel something. Até me faz lembrar o "Fight Club": o propósito que a violência serve para os personagens se sentirem vivos. Não é por gostar tanto desta banda que a acho única, ela é única porque tudo o que li e explorei sobre elame mostra todo um mundo de possibilidades e me obriga a pensar em muitas coisas. Porque expressa muitas das minhas convicções. É única porque não há outra a fazer algo sequer parecido. Faz-me querer saber tudo o que puder sobre assuntos que de outra forma não me iriam atrair. Por natureza vivo muito na minha cabeça, sempre a pensar e a questionar tudo e mais alguma coisa. Dão-me a conhecer esta banda, é óbvio que não consigo descansar enquanto não souber o máximo possível sobre ela... E enquanto não chatear as pessoas à minha volta com isso também, confesso. Sem falar que a música que fazem é extremamente bem tocada. O "Ænima" e o "Lateralus" são obras-primas. O "Undertow" e o "10,000 Days" também são excelentes álbuns. E é perfeitamente possível apreciá-los em termos musicais sem se ter grande interesse em explorar a parte intelectual. Há quem os adore sem nunca se ter debruçado sobre os assuntos que versam.
Os Tool fazem música para ser apreciada com tempo, com intenção. É música que vai crescendo em nós conforme vamos percebendo aqui e ali pormenores e pormaiores. Eu já ouvi centenas e centenas de vezes os álbuns e ainda hoje encontro pequenas subtilezas nas músicas.
Não critico quem não gosta, quem diz que o som é demasiado pesado. Gostos são gostos e não se discutem mas acho que até essas pessoas conseguem reconhecer a qualidade desta banda.
(E isto era suposto ser só uma pequena introdução a esta música. Está visto que falhei redondamente.)
Kenneth: It's that time and that place and that song, and you remember what it was like when you were in that place. And then you listen to that song, and you know you're not in that place anymore, and it makes you feel hollow. You can't just go find that stuff again.
Tenho muitas vezes saudades de certas alturas e vivências que tive mas não de forma nostálgica. Claro que tenho por vezes, aqui e ali, esse sentimento mas acho que é desperdício do presente querer revisitar, ou melhor, querer reviver o passado. Pensar num tempo e num espaço que já não existem e querer habitá-los novamente, querer voltar a ter uma experiência que já tive e que obviamente nunca seria a mesma porque eu já não sou a mesma. As memórias do dia de hoje deixariam de existir amanhã, se o gastasse a reviver o dia de ontem... Sem falar que há a tendência de filtrar sempre o que de mau também existiu e como pode o presente competir com uma visão idealizada do passado?... Tudo acontece na altura em que é suposto e é nesse exacto momento que temos mais é que viver. É tão efémero, mais vale vivê-lo ao máximo porque vai terminar tão rápido quanto começou. Isto dito, das coisas que mais gosto que me aconteçam e que me põem sempre um sorriso na cara é quando inesperadamente ouço uma música que me transporta automaticamente para um dos meus lugares. Quando do nada dou por mim a ver-me do lado de fora, a recordar algo que foi tão marcante e vive em mim mesmo que esteja anos e anos adormecido. Faz-me sentir tudo menos vazia. Faz-me sentir que houve e há vida, em mim. Gostei do filme, mais do que estava à espera.
Cold silence has a tendency to atrophy any sense of compassion
Há espaços e silêncios entre nós ensurdecedores, mágoas e frustrações que ficam por exprimir, coisas que são ditas mas por um motivo ou outro são percepcionadas de forma diferente daquela que queríamos.
Quantas relações poderiam ser preservadas se a verdade do que é pensado coincidisse com a verdade do que é dito. Se a intenção do que é dito não contrariasse a intenção do que é pensado.
A primeira vez que ouvi falar em Bon Iver foi em 2008. - Ouve esta música. Esse gajo fechou-se numa cabana no meio de nenhures durante 3 meses depois do fim de uma relação e fez este álbum.
A música era a "re: Stacks" do álbum "For Emma, Forever Ago". Vou ser honesta: mostrem-me uma pessoa que sabe o verdadeiro significado do que é sofrer, que tenha estado num buraco bem fundo e tenha usado isso para criar e eu vou sempre encontrar algo de poético nisso. Soa "sentimentalóide" mas é simplesmente humano. Uma pessoa que é testada pelas suas circunstâncias e tem de arranjar forma de sair daquele buraco. Pelo meio deixa que isso se transforme em algo concreto, palpável. O Justin Vernon o que decidiu foi passar para a música toda a dor e provação que aquele fim da relação tinha causado nele (e vim depois a perceber pelo que li numa reportagem que não era só isso: a banda em que estava na altura tinha acabado, também tinha estado doente com mononucleose, estava quase sem dinheiro e com alguns problemas de saúde relacionados com o álcool). Não havia grande luz no fim do túnel, posso imaginar. Como podia eu não me afeiçoar àquele álbum?... Diz ele que a quietude era tanta naquela cabana, em pleno Inverno no Wisconsin, que começava a afectá-lo psicologicamente e de repente o que começou a sair foi música. O objectivo dele nem sequer era esse, não era criar algo. Queria apenas afastar-se do mundo. O álbum acabou por ser gravado ali mesmo e claro que não tem a qualidade que teria se fosse feito com os meios de um estúdio de gravação mas também não teria aqueles pequenos ruídos que se vão ouvindo aqui e ali e lhe dão uma magia especial, inserem-se no espaço físico e mental em que ele estava. Acho que a "re: Stacks" se compreende melhor depois de devidamente contextualizada. É a última música do álbum propositadamente. Aquele momento em que se fecha um ciclo depois de se exorcizarem os demónios, quando o peso de certas vivências que carregamos é-nos tirado de cima, quando percebemos finalmente que é algo que vai estar connosco pelo resto da vida mas já conseguimos viver conscientes disso e deixa de ser uma âncora. Não é propriamente um começar de novo, uma reinvenção mas sim o simples aprender a viver com o passado sem que este nos prenda. Nunca fico indiferente quando ouço a música, quando o Justin Vernon me diz:
This is
not the sound of a new man or crispy realization
It's the sound of the unlocking and the lift away
Your love will be
Safe with me
Ele refere que muitas vezes fica sem saber o que responder quando as pessoas o
abordam para dizerem que o álbum as curou. "Porque fez o mesmo
por mim..." diz ele.
A 24 de Julho deste ano tive finalmente a
oportunidade de ver Bon Iver ao vivo no Coliseu de Lisboa. Um projecto que
inicialmente era somente o Justin Vernon mas no segundo álbum evoluiu de forma
a incluir mais músicos. Também gosto muito do segundo álbum ("Bon
Iver, Bon Iver") mas demorou mais a entrar e já não traz com ele a mística
que me fez apaixonar pelo primeiro.
É difícil descrever aquele que foi o segundo melhor concerto que vi este ano e um dos concertos que vou levar comigo pelo resto da minha vida. Ao vivo são uma experiência diferente daquela que se tem quando se ouvem os álbuns. Dão outra dimensão e amplitude às músicas, reinventam-nas e estas tornam-se épicas. A "Creature Fear" e a "The Wolves (Act I and II)" são exemplos perfeitos disso. Esta última remete-me sempre para a imagem mental dele, naquela cabana, completamente amargurado. A forma como ele vocaliza aquela dor, não pode passar indiferente a ninguém. Someday my pain
Someday
my pain will mark you
Harness your blame
Harness your blame and walk through...
Aqueles momentos em que o Coliseu inteiro grita em plenos pulmões: What might have been lost...
(na realidade o que pode ter sido perdido é encontrado, sempre que alguém se deixa tocar pelo resultado daquela dor: esta música...).
Ontem voltei a encontrá-los três meses depois, desta vez no Campo Pequeno. Agora sem o efeito surpresa que aquela primeira noite teve (e a profundidade com que me marcou) mas voltaram a acertar-me em cheio. Há algo de verdadeiramente único e arrebatador na música deles.
O que me dá pena e causa frustração é haver pessoas que não compreendem que há coisas que têm de ser apreciadas em silêncio, momentos na vida demasiado preciosos para serem estragados com os gritos histéricos ou com conversas, completamente dispensáveis.
O Justin Vernon aqui há umas semanas disse que provavelmente o projecto não irá avançar muito mais, que sente que entretanto se esgotou. Compreendo a posição dele e se assim for, fico com a memória destas duas noites. Para sempre.
No outro dia estava a ver este documentário e há um momento, no concerto de Glastonbury (em 2009, na altura em que a banda se reuniu), em que estão a tocar a "Tender" e já no final da música só se ouve o público a cantar em plenos pulmões: Oh my baby Oh my baby Oh why Oh my... O Graham explica então que aquela parte da música lhe ocorreu numa manhã depois de acordar, ainda meio ensonado. E estar anos depois a ouvir milhares de pessoas a cantarem-na daquela forma: "foi incrível!...". Ando há semanas com isto na cabeça. Acho que desde aí, não houve um único dia em que não me tenha recordado daquele momento do documentário. Tocou-me porque é daqueles momentos mágicos, impossíveis de descrever.
Aquele exacto momento em que alguém cria algo, em que alguém põe algo no mundo sem sequer imaginar a enormidade que pode vir a representar. Aquele momento preciso em que há uma marca nossa no mundo. O espaço e o tempo que vai desde aquela manhã até àquela noite. Todas as vivências que aquela manhã causou para tanta gente e a manifestação disso numa noite. Toca-me uma e outra vez, sempre que volto a pensar nisso. - I think something changed forever during "Tender"...
E aquele momento em que o Damon chora no backstage... nem há palavras.
Sim, parece que dois anos depois voltei. Se é para ficar ou se estou de passagem, só o tempo o dirá...